terça-feira, 17 de junho de 2008

A benga colorida

Puta que pariu, mulher! Vai assustar a mãe! Ai que vontade que me deu de gritar isso na orelha daquela velha parada naquela fresta de janela. Pois é, estava eu caminhando pensativa (como sempre) ouvindo Thousand Miles, de Vanessa Carlton, e cantarolando de forma bem gay, quando uma mulher horrorosa apareceu com o cabeção na janela, que raiva dessas casas que não tem quintal, a janela dá na calçada e isso é um perigo!
Que mania feia de construirem casas assim e que mania mais feia ainda da mulher aparecer sem avisar. Justo quando eu tô divagando sobre a vida. Aliás, como já falei aqui, ultimamente, o que mais faço é pensar. Não se assuste ou estranhe se um dia começar a feder, serei eu. Não... não serão as flatulências. O problema com os gases já está resolvido. Mas o problema (ou não) de pensar demais, ainda não resolvi e pode começar a feder. Estive pensando (não falei?) em tudo que tá acontecendo na minha singela vida... Como foi triste descobrir que o mundo não é cor-de-rosa como eu achava quando criança, como foi triste saber que a maioria das pessoas não vai ser gentil com um desconhecido, triste descobrir que as pequenas coisas da vida, como contemplar o vôo de uma borboleta no meio do caos da cidade, não serão valorizadas pela maioria das pessoas, que tem a péssima mania de andar sempre apressadas levando suas vidas vazias a lugar nenhum...
Vazia tô eu! Aliás, tô me sentindo assim. Tô cheia, precisando gritar, como se tivesse milhões de coisas pra pôr pra fora, mas ao mesmo tempo tô me sentindo vazia. É como se eu tivesse com prisão de ventre há uns 3 dias, mas tivesse com fome sabe? Tá cheio, mas tá vazio? (rs) Tá bom, a comparação foi escrota, mas é exatamente assim que eu me sinto: prisão de ventre+fome.
Isso me fez lembrar como eu estava me sentindo quando resolvi colocar a benga em cima da mesa, era assim mesmo! E como foi bom... me libertei!
Um dia desses meu namorado me mandou um texto da Tati Bernardi (muito boa por sinal) que falava de um e.t pirocudo, ela contava como foi colocar a piroca verde pra fora. Me identifiquei muito com ela, pensamos muito parecido, e me identifiquei muito com o texto. No meu caso, não é piroca, é benga, e não é verde, acho que ela pode ser da cor que eu quiser, dependendo do meu estado de espírito.
Demorei até demais pra colocar minha benga em cima da mesa e mostrar pra quem quisesse ver. Sei que ela sempre esteve ali, adormecida, mas pronta. Sei que a benga estava louca pra sair e me fazer virar “homem”. Sei que antes eu nunca teria coragem de falar na cara da vaca da cobradora de ônibus que ela é grossa, ignorante e por isso vai ficar o resto da vida sentada naquela poltrona. Antes eu nunca teria coragem de fazer alguma coisa que alguém duvidou que eu faria, como por exemplo, pedir um autógrafo pra um garoto, num bar, que participou do programa do Márcio Garcia: “Te amo gata, vem com o Tchôu, que o Tchôu é mau”. “Ai, hoje não Márcio”.
Hoje, com a benga, eu adoro quando duvidam. Não duvide de mim, posso ser mais cara de pau do que imagina, e devo isso a benga!
Ela me libertou! Tá bom, tenho que confessar que ainda não sou totalmente livre, ainda tenho meus fantasmas e acho que sempre vou ter. Mas pelo menos a benga me deu muito mais confiança.
Ah se a benga colorida tivesse aparecido quando eu era mais nova, teria sido uma revolução. Desde pequena sempre fui muito encanada, principalmente com o meu corpo. Tive a fase de me achar com pouco peito (ainda acho), com pouca bunda (isso mudou), com as pernas finas demais... Tive a fase de achar meu nariz horroroso (de vez em quando ainda acho), de achar minha boca carnuda demais, vê se pode! Mas uma fase que sempre me persegue, é de achar minha ptose feia demais.
Tudo bem que já ouvi falar que todo mundo é meio torto, mas isso pra mim sempre soou como algo muito, muito ruim. Sou uma garota muito mais bem resolvida (se não fosse não estaria contando essas coisas aqui), mas não pense que eu não sei dos comentários que sempre rolam. Já tive muitos apelidos, sempre mascarados ou escondidos em conversas das quais eu nunca estava presente, mas que sabia que rolavam. Uma coisa que eu sempre fui, foi esperta. Sempre saquei as coisas com muita facilidade, mas não tinha a benga pra me defender.
Hoje quem conhece se apaixona por “la benguita”. Não é assim que dizem? Distraia a atenção do público, para que não vejam o que você não quer que vejam. Por outro lado, eu sei que as conversas e os comentários pelas costas sempre existiram e vai continuar assim, a não ser com as crianças.
Engraçado. Porque será que criança é sempre sincera né? Sempre, os comentários ou perguntas curiosas, são as crianças que fazem. Com exceção de raríssimas almas adultas sinceras, as crianças nunca têm vergonha de perguntar. Conheci um cara, muito bacana, que começou a me chamar de “zóinho tortinho” (rsrsrsrs). Fiquei puta da vida com ele, mas pra variar não tive coragem de dizer que não gostava do apelido carinhoso. Agora vejo, que era sincero e carinhoso mesmo. Não tenho que ter vergonha do que sou, de como sou. Ainda tenho constantes crises com isso, tanto que fui a um excelente médico há pouco tempo, mas morro de medo de entrar na faca.
A primeira e única vez que fiz uma cirurgia foi com 6 anos. Foi terrível! Sem contar as sessões de estimulação do nervo elevador, que eram muito dolorosas, com uma agulha insistente batendo incessantemente na minha frágil pálpebra de criança. As agulhadas não adiantaram. O jeito era a faca. Estava resolvido. A Paulinha ia entrar na faca.
Lembro como se fosse hoje, entrei naquele hospital e enquanto aguardava na sala de espera, assistia Tom e Jerry. Antes da operação o médico resolveu me levar à sala de cirurgia e me explicar como ia ser. Quando ele falou: “vai ser só uma picadinha”, não pensei duas vezes, saí correndo e fiz um escândalo homérico! Resultado: muda a data da cirurgia da rapariga, acalma ela aí, mãe!
Tudo bem, me enganaram mais uma vez, e não deu pra escapar. No dia e no hospital combinado, lá estava eu, deitada naquela mesa, mas nem foi tão ruim. Nem teve picadinha. Apaguei e só fui acordar num quarto, com um moleque danado que tinha operado da fimose e não deixava a enfermeira em paz, de um lado, e do outro, um bebê com uma cabeça enorme, acho que era hidroencefalia (pois é, aí já comecei a perceber que tem sempre alguém com um problema maior que o seu).
A cirurgia foi feita, e foi uma festa, literalmente. Todas as minhas tias me esperavam ansiosas na minha casa, com presentes e as comidinhas que eu mais gosto. Nem foi tão ruim. E nem fez tanta diferença.
Tinha que ter entrado na faca de novo aos 15, mas não tive coragem. Se soubesse o que sei hoje, teria feito um segundo escândalo aos 6 anos. O médido foda que visitei há pouco tempo disse que talvez seja difícil consertar o que fizeram comigo aos 6 anos. Afinal, a medicina e as técnicas avançaram muito. Talvez, quando eu criar coragem e tiver grana, eu faço de novo.
Mas tudo bem, por enquanto, vou continuar com a minha ptose aqui. Minha companheira e minha inimiga. Minha mãe sempre disse (pra me animar) que isso é o meu charme, minha marca. De certa forma, concordo, porque sei que também sou ponto de referência, assim como os gordinhos (rs). “A Ana Paula, lembra?”. “Que Ana Paula?”. “Aquela do zóinho tortinho”. Tudo bem! Podem falar o que quiser, não ligo mais, agora eu tenho uma benga!

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